segunda-feira, 22 de março de 2010

Ainda sem título, rs

“I don’t wanna close my eyes, I don’t wanna fall asleep, ‘cause I’d miss babe, and I don’t wanna miss a thing”. Grossas lágrimas escorriam da bochecha corada dela. Com uma pancada, o rádio desliga. Senti que aquela música a deixou triste. A mim também. Era a trilha sonora da nossa história. Hoje nem eu nem ela conseguíamos escuta-la sem chorar... Não necessariamente no meu caso. Descemos do carro. O porteiro, que ficou sabendo da notícia a pouco, abre a porta e balbucia um “meus pêsames” quase inaudível. Acho que nem ela conseguiu ouvir. Subimos o elevador num irritante silêncio. Queria ouvir a voz dela enquanto ainda podia. Num piscar de olhos já chegávamos ao apartamento. A caixa de mensagens estava cheia. Mas para ela não importava. Com um baque surdo, se jogou no sofá e permaneceu por ali. Silêncio, a não ser pelo tique-taque insistente do relógio. Quanto mais o tempo passava, mais eu me perguntava o quanto agüentaríamos. De repente, um súbito grito quebra o silêncio. É ela. As palavras eram praticamente cuspidas da sua boca: “Deus, porque o Senhor é tão injusto? O que eu fiz de errado?”. Minha primeira reação foi de querer abraçá-la. Mas me controlei. Apenas sussurrei: “Querida, não se martirize, as coisas ruins acontecem para qualquer um...”. Silêncio novamente. Até que ela se levantou do sofá e foi à cozinha. O cheiro familiar de café invadiu minhas narinas. Eu poderia passar a eternidade apenas observando-a. Sentei-me à mesa sem fazer nenhum barulho, não queria assustá-la nem atrapalhar aquele momento de aparente calma. Como não ama-la? Tão doce e amorosa. Ao ponto de esconder sua tristeza para não deixar os outros à sua volta preocupados. O tempo foi cruel com nós. Dois jovens na flor da idade com sonhos, anseios, objetivos, carreiras sendo estruturadas. Até que de um dia para o outro, tudo desmorona. Se eu pudesse ao menos mostrar a ela que está tudo bem... O telefone toca. Lentamente, ela sai do seu transe e tira o telefone do gancho. “Oi, não sei quem é, mas liga depois.”. Bem do jeito dela mesmo. Coloca o telefone na base novamente e volta à cozinha, onde deixa a xícara e caminha até o banheiro. Como de praxe vou atrás dela. Ela fecha a porta e logo em seguida, liga a banheira, tirando suas roupas bem devagar como se removesse pedaços da sua própria pele. O vapor começa a subir e ela imediatamente entra na banheira. O contato da sua pele nua com a água quente causa um instantâneo arrepio no seu corpo. Ela fecha os olhos e lágrimas novamente marcam sua face. Aquela cena me deixou com vontade de chorar. Um martelar na minha cabeça, avisa que o meu tempo está acabando. Chego bem perto dela e digo: “Querida, não há distância que separe dois corações que batem na mesma freqüência. Agüente firme, eu te amo” Um tímido sorriso brota dos seus lábios: “Eu sei, vá em paz, te amo”. Observo-a rir e chorar ao mesmo tempo até me reduzir à apenas um ponto de luz. Minha missão estava cumprida.

(Yara Borges)

terça-feira, 2 de março de 2010

Rosa de Hiroxima

"Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Mas oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpidas inválidas
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada"


(Vinicius de Morais)